quinta-feira, 28 de setembro de 2017

O adulto e o menino

Discutiam um menino e um homem, os dois trabalhavam no mesmo isopor até terminar o álcool ou a sede do povo, ou seja, o povo. O adulto segurava o dinheiro e ditava o menino, essa é pra ele, é duas, não essa tá quente, uma pra ele e outra pro outro. O menino oferecia um deboche em resposta ao comando e à censura. O adulto pega a senha e esbraveja que se não quiser pode ir pra casa, vai embora, isso é sério, a gente tá aqui pra trabalhar porra. O menino espera o adulto terminar e languidamente abre o zíper do casaco até desnudar os peitos fartos e passa a desfilar em volta do isopor. O menino toca os mamilos e apenas de soslaio fita o adulto, que se atrapalha, demora a regular gentileza na súplica que faz ao menino de cobrir os peitos, de subir o danado desse fechecler. O menino  faz que não escuta até que o adulto mude de assunto, dê uma de doido, demonstre desespero, que de repente tente criar um motivo, um caminho diferente para conter o menino. Aí o menino senta para descansar, subindo e descendo lentamente o zíper. O adulto aliviado entrega um espetinho ao menino, resignado e suado trabalha só.




terça-feira, 26 de setembro de 2017

Seis da Manhã

Seis da manhã. Finalmente descolo a pele pálida dos panos salivados da cama de solteiro. O colchão velho afundado no meio, uma rede presa e suspensa no mórbido ócio. Quando dou novamente por mim estou imprensado no corredor abarrotado do metrô entre a respiração, a digestão, a circulação e o metabolismo dos outros bovinos. O estatuto da vida atrelado basicamente ao funcionamento regular das entranhas. Pouco antes do almoço terei o primeiro pensamento do dia, entre os arrotos vindos do estômago vazio, temperados com o hálito faminto e alcoólico da ressaca diária, de que não há diferença se homens, mulheres ou aranhas vindas de Marte estão a nos comandar, são as necessidades de sempre a nos empurrar contra as coisas vivas e mortas. 

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Edifício São Domingo


Meu coração nunca foi grande nem bom. Estão destruindo o edifício São Domingo, algum desconhecido me alerta. Estou na praça diante do tempo e das pessoas, corre um vento bom, o barulho da fonte alivia meu peso. Fim de expediente na Maciel Pinheiro, dois homens jogam restos de comida em uma carroça de tração animal, duas mulheres puxam uma vitrine sobre rodas, vendem bíblias, o homem ao meu lado lê um texto que se pergunta se existem anjos maus. Deve existir, tudo de mal existe. Estou destruído. O edifício São Domingo deixa de existir, e as minhas ruínas sentam na praça, observam a paisagem, trocam olhares e escrevem magras e confusas linhas. Quem me dera uma definição tal qual o São Domingo.






sábado, 2 de setembro de 2017

Gênio


Precisava descansar antes de fazer qualquer coisa. Não que estivesse cansado, mas incapaz por pura falta de interesse. Comecei a acreditar que se não gastasse não teria que trabalhar e que essa resolução me aliviaria dos martírios pessoais, enquanto não gastasse poderia mergulhar na leitura e na escrita, elas se desenvolveriam e enfim colocariam a comida na minha boca, me comprariam roupas do meu tamanho e não fariam do transporte público meu inimigo íntimo, tudo isso em um intervalo de mais ou menos 200 anos.

A visão superior do viaduto. O traçado do rio e o esparramar da ponte. Gente de tuia grandezas quase infindas o corpo vivo o povo morto o povo vivo o corpo morto.




Nunca me enganou. Meu pai nunca me enganou. A fachada de sábio, experiente e prevenido. Mas o que realmente fazia sentido pra ele era o trabalho. Também a cerveja e o noticiário. Ruim por dentro, falso por fora. Sentia-se bem apenas apenas na posição de provedor, de Deus. Tentava saber de tudo apesar de não ler um livro há décadas e de consumir com voracidade a merda do jornalismo nacional. Achava que o álcool tonificava seu pensamento, papos bêbados sobre sua vida e a dos outros com a profundidade de uma bacia. Nele não havia brecha para nada que fosse diferente ou sensível. Broco. A ressalva era a competência na contabilidade, o cargo de funcionário público, as responsabilidades e as gratificações. Um homem que seja bom no trabalho pode ser ruim em tudo. E ele era. Cinco dias depois de um domingo dos pais abandonou minha mãe. Jogou uma quantia idiota sobre ela e nenhuma palavra. A calça abaixo da barriga avantajada, a face de surto e duas malas para a puta que o pariu. Minha mãe dopada urrava no quarto. Eu só queria que o mundo tivesse consciência da merda que ele era. Naquele dia minha juventude acabou.

Desde que meu pai foi embora sonho com ele todas as noites geralmente agredindo minha mãe. Sua face convulsionada por ódio, dor e incapacidade. Em um dos sonhos ele chega bêbado como se não tivesse nos deixado, a casa da minha tia como se fosse nossa, mas compartilhada com vários estranhos sentados nas escadas subindo para laje. Ele resolve ir embora e eu acho bom e tento convencer a minha mãe do mesmo, em pouco tempo já volta com a cara amassada e o nariz quebrado, olhos só de tristeza suplicam ajuda. Eu nada entendo ele apenas chora, o sangue rola com as lágrimas e encharca o chão da cozinha aí ele se enfia num buraco cheio de fios como se quisesse se matar, não permito. Em outro o encontro no shopping, cheio de questões fúteis sobre festas, tamanho de casas e a turma do trabalho, sumariamente ignorado me perco entre setores, escadas rolantes e terminais.